sexta-feira, 23 de março de 2012

Droga brasileira combate câncer

Empresa recebe aprovação dos Estados Unidos para testes contra tumor de ovário


Pela primeira vez uma droga desenvolvida no Brasil contra o câncer recebe aprovação para testes nos Estados Unidos. O tratamento combate o câncer de ovário e promete ser menos agressivo do que a quimioterapia. Ele foi desenvolvido pela empresa de biotecnologia brasileira Recepta Biopharma e, se tiver êxito nos testes, poderá chegar ao mercado em cinco anos. A droga recebeu na semana passada aprovação da FDA, a agência americana responsável pela validação de drogas e alimentos, para continuar seus estudos com pacientes.
O reconhecimento da agência significa, na prática, que o laboratório, sediado em São Paulo, poderá receber financiamentos não-reembolsáveis e que, após sua aprovação, a droga terá sete anos de garantia de exclusividade nos EUA. O câncer de ovário, por ser mais raro do que alguns outros tumores, não atrai muito interesse da indústria farmacêutica, o que o faz ser negligenciado na busca por novos tratamentos. No Brasil. a doença afeta seis mil mulheres por ano.
A empresa, dirigida pelo biólogo José Fernando Perez, aposta em anticorpos monoclonais, descritos pela primeira vez em 1975 e cada vez mais adotados como uma alternativa para a terapia de pacientes com câncer.
A quimioterapia convencional ataca todas as células que se multiplicam rapidamente — inclusive as saudáveis, como as do trato gastrointestinal e as do couro cabeludo. Por isso este tratamento provoca tantos efeitos colaterais. Os anticorpos monoclonais, por sua vez, são uma terapia direcionada, com consequências adversas mais suaves.
— O anticorpo é uma proteína, desenvolvida por um complexo processo biotecnológico — explica Perez. — Pegamos o gene que determina a produção da proteína e o introduzimos numa célula animal. Essa célula passa a produzir a proteína. Esta só vai se ligar a alvos específicos, ou seja, a células de alguns tumores.
Essas proteínas foram aplicadas em pacientes com tumor de ovário que não respondiam ao tratamento convencional, com cirurgia e quimioterapia. Essas pacientes são candidatas ao teste, desde que seus tumores tenham um alvo ligável ao anticorpo.
— Sabemos que isso acontece em 76% das pacientes com tumor de ovário — lembra Perez. — Nelas, esses alvos aparecem na superfície da célula. Essa é uma estatística importante, inclusive comercialmente, por aumentar as chances de sucesso de um futuro tratamento.
Perez coordenou a injeção do anticorpo em 26 pacientes e considerou as respostas muito promissoras. Este teste clínico foi o responsável pela aprovação da FDA.
— Nossa meta, como ocorre atualmente na medicina, não é a regressão do tumor, mas a estabilização da doença — ressalta o cientista. — É algo semelhante ao visto no diabetes ou na hipertensão: não se busca uma cura, mas a qualidade de vida em um futuro próximo. Também sabemos que os tratamentos tendem a ser cada vez mais personalizados. A doença se manifesta de uma forma específica em cada paciente, e o médico deve adaptar a terapia a essas particularidades.
Os benefícios obtidos pelo experimento foram comparáveis aos conseguidos pela quimioterapia — e ainda mais prolongados nas pacientes que não tinham metástase no fígado e ascite, o acúmulo de líquido no abdômen.
Hoje, segundo Perez, há apenas dez tratamentos com anticorpos monoclonais no mundo. Nos próximos cinco anos, no entanto, ele acredita que outros chegarão ao mercado. O cientista, inclusive, quer adaptar o mesmo anticorpo desenvolvido contra o câncer de ovário para combater o tumor de mama.
A Recepta conseguiu registro da Anvisa para testes clínicos com anticorpos monoclonais, mas procurou também o certificado da FDA para trabalhar com um padrão de qualidade internacional — o que implica em uma série de condições, como a autenticação da produção da droga, a regulação da temperatura no veículo em que ela é transportada e em protocolos de hospitais onde for testada.
Diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz assegura que o esforço vale a pena.
— A designação vinda dos EUA demonstra uma capacidade de iniciativa e articulação muito importante da Recepta — elogia. — A partir daí são abertas várias possibilidades internacionais. Dá visibilidade a uma droga que está sendo desenvolvida aqui.
Para Brito Cruz, um pesquisador que funda uma empresa, como Perez fez com a Recepta em 2006, pode encontrar diversas fontes de custeio no país. Esses empreendimentos combinam recursos fornecidos por instituições estatais, como a Fapesp, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o BNDES. Outra vantagem oferecida pelo país é a existência, em grandes centros urbanos, de laboratórios bem instalados e competitivos internacionalmente em diversas áreas.
— Quanto às dificuldades, são as mesmas que todas as empresas do país enfrentam: nosso custo industrial, de mão-de-obra, é maior do que o de empresas americanas — lamenta. — As instabilidades de políticas públicas também atrapalham.
Os testes clínicos da Recepta terão os resultados detalhados em uma revista científica.


Fonte: o globo.com

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